quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Mulher de Poder

Para uma mulher...


 ... Ser considerada poderosa, não é necessário que ela tenha posses e título de nobreza, não é necessário que ela faça chover no Saara, mande prender ou mande soltar. Basta, simplesmente, que ela tenha auto-confiança o suficiente para ser a dona do seu próprio destino.

Uma mulher tem que ser decidida, saber o que quer, ser corajosa e arcar com as consequências das escolhas que fez. Tem que ser auto-suficiente e não se permitir ficar a mercê de outrem. Tem que ter amor próprio para escolher a si mesma em detrimento dos demais.

Uma mulher poderosa tem atitude. Se quer, ela vai lá e faz. Não se prende a joguinhos bobos  e não é falsa moralista. Não é hipócrita, não segue regras impostas por outros quando o assunto é a sua vida. Geralmente é responsável por suas escolhas.

Uma mulher poderosa sabe diferenciar amor de sexo, sabe separar relacionamento e flerte. Sabe acolher sem ser subserviente e consegue ser carinhosa sem ser pegajosa cansativa ou algo parecido.

Uma mulher poderosa tem sentimentos, dores, decepções, dissabores, tristezas e fraquezas. São feitas de carne e osso e sofrem como as simples mortais. A diferença é que ela não tem vergonha de assumir sua dor e muito menos de admitir que errou. Chora na sala mesmo, não se esconde no quarto só para manter as aparências. Sofre, chora, reflete, repõe as energias e começa tudo de novo. Ainda mais forte e poderosa.

O sexo oposto sente-se atraído por uma mulher poderosa, pois eles vêm que uma relação começada ali não terá espaço para neuras, ciúmes bobos e cobranças descabidas. A certeza de uma relação estável e segura é evidente.

Uma mulher poderosa se dá ao luxo de escolher com quem quer se relacionar e não se submete a humilhações, concessões exageradas e não quer ter perto alguém que não agregue, não some.

Uma mulher poderosa quer ser feliz e sabe, exatamente, o que fazer para conquistar tal patamar.

Se você se identificou com algum dos parágrafos, parabéns!! Você é uma mulher poderosa.




Pout-pourri de assuntos


O que escrever para a próxima coluna? Listo prováveis assuntos: o mercado de trabalho, homens que cospem catarros horrorosos pelas ruas, minha bunda, sexo sem amor, a necessidade de ter alguém pra chamar de amor. 


Demoro um dia inteiro para me decidir porque sou indecisa. Não me decido por nenhum porque sou possessiva e filha única: quero todos. Então vamos lá, seguindo a ordem.
Existe um boato por aí que publicitário tem a vida mansa e que todos eles são meio loucos. Isso dá uma coceirinha nos estudantes que acham esse papo muito cool e se matriculam aos montes pelas faculdades do país. Sou redatora publicitária e há dois anos e meio não tenho um salário decente apesar das mais de doze horas trabalhadas por dia. Já mudei de agência seis vezes e já mudei de assunto mais de mil quando amigos e parentes perguntam por que eu não tenho um horário fixo, um salário fixo e um lugar fixo para ir todos os dias. Aturo a crise mundial, a crise do país, a crise do mercado, a crise do mercado publicitário e a crise de meia-idade de colegas de trabalho com seus leões na mesa, suas baleias em casa e a tara por jovenzinhas deslumbradas e em aprendizado.

O boato da loucura é realidade, ninguém normal atura isso tudo. Quanto a ter a vida mansa, que vão todos para a merda antes que eu me esqueça.

Não sei de muitas coisas nesta vida, mas aprendi que entre a paixão e o ódio pela propaganda, tem sempre um catarro. Vou andando pelas ruas pensando em todos os lados bons e ruins da minha profissão: eu crio, eu não tenho um trabalho burocrático, chato, operacional, burro, exato. Eu movimento grana, eu emociono, eu faço as pessoas rirem. Plá, uma catarrada. Eu ganho mal, me deram uma porra de um PC em vez de um Mac, eu fico muito tempo sentada e minha bunda tá horrível, plá, outra catarrada.
Por que diabos esses imundos homens cospem essas melequeiras pelas ruas? Por que diabos? Por que diabos? Como eu odeio isso. ODEIO. Onde está escrito que o mundo permite essa escatologia exposta à luz do dia? Às vezes é preciso desviar para não sentir respingarem resquícios da nojeira no peito do pé. Desejo do fundo do meu coração que todos eles sufoquem entalados com suas crias gosmentas e fiquem tão verdes quanto elas.

Mas ainda mais nojento do que escutar aquela chupada suína que precede o plá da catarrada, é escutar o sugar de tesão de um escroto qualquer que você nunca viu na vida. É aquele "ssssssssss delícia", "ufffffffffffffffff gostosa".

Não se anime não, seu neanderthal urbano, que o que você está vendo é apenas o poder de uma calça jeans caríssima, que uma redatora publicitária em começo de carreira com seu salário de merda só pode ter comprado em cinco vezes sem juros. Cê não tá vendo, querido, que por trás disso é apenas a bunda de uma redatora publicitária que sofre várias crises de mercado e não tem tempo para uma academia? Tá caída, mermão! Já não é mais a mesma. Aliás, isso me lembrou a propaganda, mas este assunto já deu.



E por falar em dar... dar não é fazer amor. Dar é dar. Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido, mas dar é bom pra cacete. Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca, te chama de nomes que eu não escreveria, não te vira com delicadeza, não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom. Melhor do que dar, só dar por dar. Dar sem querer casar, sem querer apresentar pra mãe, sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo. Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral, te amolece o gingado, te molha o instinto. Dar porque a vida de uma publicitária em começo de carreira é estressante e dar relaxa. Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã. Tem caras que você vai acabar dando, não tem jeito. Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem esperar ouvir futuro.

Dar é bom. Na hora. Durante um mês. Para as mais desavisadas, talvez por anos. Mas dar é dar demais e ficar vazia. Dar é não ganhar. É não ganhar um "eu te amo" baixinho, perdido no meio do escuro. É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir. É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra dar o primeiro abraço de Ano Novo e pra falar: "Que cê acha, amor?". Dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito. Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor, esse sim é o maior tesão. Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuar o suficiente pra nem perceber as catarradas na
rua.



Sentindo a falta

Eu nunca aceitei a simplicidade do sentimento.



 Eu sempre quis entender de onde vinha tanta loucura, tanta emoção. Eu nunca respeitei sua banalidade, nunca entendi como podia ser tão escrava de uma vida que não me dizia nada, não me aquietava em nada, não me preenchia, não me planejava, não me findava.

Nós éramos sem começo, sem meio, sem fim, sem solução, sem motivo.

(...)
Não sinto saudades do seu amor, ele nunca existiu, nem sei que cara ele teria, nem sei que cheiro ele teria. Não existe morte para o que nunca nasceu.

(...)
Sinto falta da perdição involuntária que era congelar na sua presença tão insignificante. Era a vida se mostrando mais poderosa do que eu e minhas listas de certo e errado. Era a natureza me provando ser mais óbvia do que todas as minhas crenças. Eu não mandava no que sentia por você, eu não aceitava, não queria e, ainda assim, era inundada diariamente por uma vida trezentas vezes maior que a minha. Eu te amava por causa da vida e não por minha causa. E isso era lindo. Você era lindo.

Sinto falta da perdição involuntária que era congelar na sua presença tão insignificante. Era a vida se mostrando mais poderosa do que eu e minhas listas de certo e errado. Era a natureza me provando ser mais óbvia do que todas as minhas crenças. Eu não mandava no que sentia por você, eu não aceitava, não queria e, ainda assim, era inundada diariamente por uma vida trezentas vezes maior que a minha. Eu te amava por causa da vida e não por minha causa. E isso era lindo. Você era lindo.

Simplesmente isso. Você, uma pessoa sem poesia, sem dor, sem assunto para agüentar o silêncio, sem alma para agüentar apenas a nossa presença, sem tempo para que o tempo parasse. Você, a pessoa que eu ainda vejo passando no corredor e me levando embora, responsável por todas as minhas manhãs sem esperança, noites sem aconchego, tardes sem beleza.

(...) sinto falta de quando a imensa distância ainda me deixava te ver do outro lado da rua, passando apressado com seus ombros perfeitos. Sinto falta de lembrar que você me via tanto, que preferia fazer que não via nada. Sinta falta da sua tristeza, disfarçada em arrogância, de não dar conta, de não ter nem amor, nem vida, nem saco, nem músculos, nem medo, nem alma suficientes para me reter.

Prometi não tentar entender e apenas sentir, sentir mais uma vez, sentir apenas a falta de lamber suas coxas, a pele lisa, o joelho, a nuca, o umbigo, a virilha, as sujeiras. Sinto falta do mistério que era amar a última pessoa do mundo que eu amaria.




Eu nunca vou entender



(...) Eu nunca vou entender porque a gente continua voltando pra casa querendo ser de alguém, ainda que a gente esteja um ao lado do outro. Eu nunca vou entender porque você é exatamente o que eu quero, eu sou exatamente o que você quer, mas as nossas exatidões não funcionam numa conta de mais...

Mas aí, daqui uns dias.... você vai me ligar. Querendo tomar aquele café de sempre, querendo me esconder como sempre, querendo me amar só enquanto você pode vulgarizar esse amor. Me querendo no escuro. E eu vou topar. Não porque seja uma idiota, não me dê valor ou não tenha nada melhor pra fazer. Apenas porque você me lembra o mistério da vida. Simplesmente porque é assim que a gente faz com a nossa própria existência: não entendemos nada, mas continuamos insistindo.



quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Dar não é fazer amor


Dar é dar.



Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.
Mas dar é bom pra cacete.
Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca...
Te chama de nomes que eu não escreveria...
Não te vira com delicadeza...
Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.
Melhor do que dar, só dar por dar.
Dar sem querer casar....
Sem querer apresentar pra mãe...
Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.
Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral...
Te amolece o gingado...
Te molha o instinto.
Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.
Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.
Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.
Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem
esperar ouvir futuro.
Dar é bom, na hora.
Durante um mês.
Para os mais desavisados, talvez anos.

Mas dar é dar demais e ficar vazio.
Dar é não ganhar.
É não ganhar um eu te amo baixinho perdido no meio do escuro.
É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir.
É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra dar
o primeiro abraço de Ano Novo e pra falar:
"Que que cê acha amor?".
É não ter companhia garantida para viajar.
É não ter para quem ligar quando recebe uma boa notícia.
Dar é não querer dormir encaixadinho...
É não ter alguém para ouvir seus dengos...
Mas dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito.

Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor.
Esse sim é o maior tesão.
Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuar

Experimente ser amado...

domingo, 24 de julho de 2016

Tocada Pelo Luar

Capítulo 3 


– Uma atriz que desapareceu em 1942?
Alan trouxe Sophia para junto de si enquanto olhava de relance na direção de Terry.
– Isso é impossível! E como você sabe disso?
– Ela simplesmente acabou de cair de um espelho e você está me dizendo que isso é impossível? – disse Terry em um tom exigente. – Você nunca assistiu a nenhum dos filmes do seu avô? É ela! A atriz que desapareceu na noite da estreia do filme. Foi um grande escândalo. Durante cerca de cinco minutos – acrescentou Terry, em um tom incisivo.
– Ela está certa – murmurou Sophia, ignorando o tom de Terry. Com os braços de Alan envolvendo-a, poderia aguentar o sarcasmo da mulher. Sophia inclinou a cabeça para cima, pressionando-se junto ao peito dele. – Eu era a estrela do filme A Dama no Espelho. Fiquei aprisionada esse tempo todo, por... – ela girou a cabeça, com o olhar contemplativo fixo em Terry enquanto as palavras da mulher chegavam até ela.
– Pelo avô dele? Jeremy Claussen?
– Sim, sim. – Terry acompanhou as palavras de Sophia ditas com tédio e balançou a cabeça. – Alan, ela está sorrindo para você como uma boba. Eca!
Sophia lutou contra o impulso de lançar Alan para longe, embora pudesse ver o drama do gesto em sua imaginação: o herói de cabelo escuro à distância de um braço, a heroína com as pontas dos dedos estiradas, mal tocando o peito dele, estremecendo com a rejeição que seria negada apenas até o momento em que ele a tomasse nos braços de novo e a comprimisse junto ao corpo. Seria um momento maravilhoso.
No entanto, em um filme, Alan seria instruído a voltar para ela, no entanto, se o empurrasse para longe com violência na vida real, ele poderia tornar-se mais ciente das objeções de Terry. Sophia permaneceu grudada nele, trêmula, e sussurrou:
– Então você pode ser o único capaz de quebrar o feitiço que me prende ao espelho.
– Feitiço? Como em magia? – Alan deu risada. – Não existe tal coisa.
Sophia arqueou uma sobrancelha em direção ao espelho, e depois voltou a olhar para Alan, que torceu a boca, reconhecendo o fato.
– Ok. É totalmente impossível, mas ok. – Ele se distanciou de Sophia uns poucos centímetros, baixando o olhar para ela. – Como diabos foi que você ficou presa em um espelho?
Sophia fez uma trilha com os dedos, descendo pelo peito de Alan.
– Você tem magia em seu sangue. Quer saiba disso ou não.
– Ah, pelo amor de Deus! – disse Terry. – Você não vai cair nessa, vai?
Alan piscou para ela, um largo e tímido sorriso começando a se formar. Sophia rangeu os dentes, abandonando sua atitude teatral por um instante e partindo para a ação direta.
– Jeremy Claussen me pediu em casamento na noite da estreia do filme, e quando recusei, ele me aprisionou no espelho para que nenhum outro me tivesse. Estou presa por mais de sessenta anos. Posso ser ouvida quando o luar recai sobre espelho, e consigo me libertar no Halloween, a mesma data em que fui aprisionada, mas somente enquanto a lua está refletida no vidro do espelho. Se você é o neto de Jeremy, é minha única esperança.
– Ajude-me, Obi-Wan Kenobi – murmurou Terry.
Alan desferiu um olhar de ódio para ela por cima da cabeça de Sophia, fazendo com que um estímulo elétrico de triunfo percorresse a jovem e promissora estrela.
– O que quer que eu faça, Teresa? Dê as costas para ela?
– Que tal colocarmos o espelho no teto onde a lua fica a noite toda e nos prepararmos para nosso show? – Terry disse, com seu tom exigente. – Está lembrado do show? O momento do tudo ou nada? Soa familiar? Lembrou? A Cinderela aqui pode se juntar à festa e veremos se podemos descobrir como impedir que ela se transforme numa abóbora depois da apresentação.
– Você é uma maldita mercenária, Terry. – Alan disse as palavras com facilidade, como se fossem repetidas com frequência, mas havia uma frieza nelas que Sophia percebeu ser inédita. As veias saltaram na garganta de Terry.
– Tudo bem. – A voz dela estava repleta de mágoa. – Eu e os rapazes vamos fazer os preparativos. Divirta-se com sua namorada de contos de fadas, Alan. Mas tente colocar sua mente no clima para a apresentação, tá? O restante de nós também precisa de você. – Ela girou os calcanhares e saiu andando, sibilando. – Pelo menos por essa noite – disse ela, bem baixinho.
– Desculpe-me. – Sophia ofereceu a Alan seu mais sincero sorriso acompanhado de um olhar triste. – Eu não pretendia causar adversidades para você e sua namorada. Talvez devesse simplesmente… – Ela inspirou, tremendo. – Esquecer-se de mim e seguir em frente. Ficarei bem.
– Namorada? A Terry? De jeito nenhum, não é assim.
Imagens passaram como cascatas na visão de Sophia, era a ruptura no futuro de Alan. Algumas das possibilidades mais brilhantes esvaneceram-se, deixando no lugar noites frias e de muito álcool. Ela estremeceu, envolvendo a si mesma com os braços, e Alan deu um passo à frente para pôr as mãos nos ombros dela.
– Ficará tudo bem – prometeu Alan. – Como foi que isso aconteceu? Tenho certeza de que podemos encontrar uma maneira de desfazer isso.
A premência de entrar no drama, de se virar e sussurrar, sem esperança, “Você não acreditaria em mim”, atravessou-a. Alan a tomaria nos braços e juraria que não importava o quão terrível, o quão improvável fosse, acreditaria nela… mas, não! Isso poderia ser guardado para o filme sobre a vida dela. Em sessenta e três anos, não houvera nenhuma chance de liberdade como esta, e os minutos eram preciosos demais para serem desperdiçados com pompa.
Além do mais, tais protestos poderiam fazer com que seu herói de cabelo escuro voltasse para a guitarrista de cabelo de menino. E isso Sophia não permitiria.
– O espelho falava comigo – disse Sophia, abruptamente, em vez de todas as outras coisas em que pensara. – Durante as filmagens. – Ela se afastou de Alan, curvando-se para tocar com os dedos a pesada moldura do espelho. – Toda vez que olhava para ele, o espelho me prometia que meu reflexo seria o mesmo. Eternamente jovem, sempre bela. Era como uma profecia sussurrada em meu ouvido. – Sophia riu sem humor enquanto observava sua imagem refletida. – E foi assim.
Ela tracejou com os dedos a borda ornamentada, quase não tocando as fracas linhas vermelhas entalhadas no ouro.
– O espelho me ensinou a ler o feitiço na moldura – continuou. – E disse que se eu falasse o que está escrito na noite de Halloween, com o luar brilhando sobre a face espelhada, eu seria capaz de passar para a terra dos mortos e barganhar pela eternidade com o Senhor dos Mortos.
– E acreditou nisso? – A voz de Alan saiu estrangulada. Sophia olhou por cima do ombro para ele, arrumando sua saia para cair com mais teatralidade no chão.
– Eu era jovem, vaidosa e arrogante. – Confessar seus pecados ia contra sua natureza. Uma estrela do cinema deveria ser misteriosa e remota, não brutalmente honesta sobre suas falhas. Sophia sorriu, sentindo uma dor de décadas em sua expressão, o que a tornava mais real do que costumava apresentar. – E o espelho estava mesmo falando comigo… o que me fez acreditar com facilidade – acrescentou baixinho.
“Achei que na noite da estreia, dentre todas as noites, eu estaria no auge da minha perfeição. O espelho estava na mansão de Jeremy como parte da decoração para a festa que viria depois. Cheguei mais cedo para ler o feitiço, e Jeremy, seu avô, juntou-se a mim logo após eu terminar. Ele me pediu em casamento e eu… eu corri para o espelho. Quando olhei para trás, seu rosto estava cheio de trevas e ele gritava. Houve um relâmpago e quando a luz esvaneceu, eu estava presa para sempre.”
Sophia ergueu o queixo, com os olhos úmidos de lágrimas. Alan deu um passo à frente para oferecer-lhe a mão, e ela entrelaçou os dedos aos dele, sorrindo com gratidão. Sophia inspirou profundamente para conseguir falar.
Metal colidiu com pedra, sons estridentes que abafaram qualquer coisa que Sophia poderia dizer. Alan soltou xingamentos, deixou a mão dela cair e saiu correndo da sala.

sábado, 23 de julho de 2016

Tocada Pelo Luar

Capítulo 2 


– Meu Deus... o que...? – Xingamentos absurdos irromperam tanto de Terry quanto do homem sem nome, sendo que este se retorcia e se virava para pegar de novo o peso do espelho. Embora ele não pudesse articular, sua pergunta era óbvia: Quem era essa mulher? E como ela tinha caído de um espelho?
Os dois tropeçaram e então colocaram o espelho no chão que produziu um clangor ressonante. Deixaram que o peso o inclinasse para a frente, de modo que  ficasse com a face espelhada voltada para o piso.
– Não! –Disse Sophia, levantando-se com jeitinho, rolando o quadril para que pudesse apoiar-se em uma das mãos, estirando a outra em uma súplica desesperada. – A superfície deve ficar voltada para o céu. – Ah, sim, pensou, isso seria ótimo.  Desferiu um olhar de relance para cima, como se as estrelas pudessem prover-lhe a resposta que procurava.
Não as estrelas, mas a lua. Desafiando o ainda ardente sol que estava se pondo, a pálida forma da lua brilhava entre as claraboias, tão circundantes quanto as janelas panorâmicas que cercavam o aposento. Sophia levou sua mão que antes estava estirada, e repousou junto ao seu esterno com delicadeza enquanto falava em um tom fraco:
– É Halloween – disse ela, explicando o motivo disso.
Halloween, aniversário de seu aprisionamento e a noite em que os mortos podiam caminhar entre os vivos. Sophia não estava exatamente morta, mas décadas se passaram desde que ela podia considerar-se um dos vivos.
Ela voltou o olhar contemplativo para baixo, para o espelho, ignorando por um momento a dupla perplexa que o segurava e estudou a superfície reflexiva que virara tanto a prisão como o elemento preservador de Sophia. A moldura dourada e ornamentada ocultava segredos que ela havia aprendido a desvendar. Mesmo agora conseguia ver os encantamentos carmesins nas intricadas espirais e nas flores, e pegou-se falando o que estava escrito, apenas mexendo os lábios, sem realmente vocalizar as palavras, apesar de estar ciente dos perigos. A moldura fora um objeto cênico no único filme que fizera, mas especulava-se que ela havia sido sequestrada na Alemanha, e até mesmo os nazistas de Hitler haviam procurado por Sophia para adicionarem-na à coleção oculta do Kaiser.
O Oculto. Sophia pressionou os olhos, cerrando-os, sentindo os cílios tremerem em contato com a pele.
– Eu lembro... – As palavras perderam-se em um sussurro e ela estremeceu bem de leve.
Você não deveria brincar com essas coisas, Sophia. São perigosas e estão além do seu conhecimento. O diretor do filme, Jeremy Claussen, a avisara repetidas vezes. Estes são dias perigosos para expressar interesse em coisas além deste mundo. Tome cuidado, minha querida. Seja cautelosa.
Ele era tudo o que uma jovem mulher desejava. Belo, de um jeito perigoso, como um falcão. Seu encanto vinha da presença marcante tanto quanto da aparência. E, sim, era misterioso. Como Sophia poderia resistir àqueles olhos que reluziam repletos de conhecimento e segredos sombrios? Sophia fora atraída por Jeremy aos poucos, até que um dia acordou aprisionada como uma mosca no âmbar.
Sophia estremeceu, abrindo os olhos para examinar além do espelho e do casal que a resgatara. Um salão de baile familiar ampliava-se a seu redor, com imensas janelas panorâmicas emolduravam a cidade de Los Angeles. Seu aprisionamento havia acontecido neste mesmo aposento, apenas um cômodo dentre dúzias da mansão que pertencera a Jeremy Claussen. Era perfeito, pensou de novo. Embora o espelho tivesse sido movido de lugar muitas vezes durante o tempo em que fora cativa, havia voltado para onde tudo havia começado.
Quando fora aprisionada, o aposento estava preparado para a festa da estreia de seu filme. Agora, décadas depois, um palco estava montado junto às janelas em uma das extremidades, claramente preparado para algum tipo de apresentação. Sophia inspirou, trêmula, desvendando o cálido aroma de poeira e finalmente ouviu Terry erguendo a voz em protesto.
– Alan, isso é algum tipo de pegadinha insana?
– Terr, eu não sou tão bom para criar algo assim. Ajude-me a colocar o espelho no chão.
– Por favor. – A voz de Sophia era um sussurro novamente. – Coloquem-no voltado para cima. Assim que o luar não tocar mais a face espelhada, serei sugada para dentro dele de novo. – Ela ergueu o olhar suplicante e encontrou os olhos de Alan.
A escuridão enlaçava-o, filetes de trevas emanavam do pôr-do-sol e o envolviam em um abraço. Alan não notou nada disso, sorria para ela com uma fascinação clara enquanto ele e a mulher colocavam gentilmente o espelho no chão com sua superfície espelhada refletindo a lua distante. A visão de Sophia afunilava, com espíritos movendo-se rapidamente e dançando em volta de Alan. Espíritos, mas não os mortos. Sophia conhecia-os muito bem depois de passar sessenta anos no lado frio do espelho. Aqueles eram espectros da vida e do futuro.
Do futuro de Alan. Mil reflexões dele em tons de sépia que pulavam no campo estreito que Sophia ainda conseguia ver. Era o dom do espelho, a troca concedida por mantê-la refém durante décadas sem fim: precognição. Este não tinha sido o dom que ela buscara quando cruzara o espelho, mas ao menos recebera algo em troca.
Mais do que algo, Sophia Robinson, sussurrou para si. A Morte passou por você e foi embora.
Contudo, não passaria por Alan. Uma fissura jazia na frente dele, um vácuo profundo que continha o mundo que Sophia mal reconhecia e, ao mesmo tempo, conhecia e cobiçava em um lugar que ia além de palavras. Luzes brilhantes recaíram sobre Alan e varreram a multidão de tamanho inimaginável. Eles ergueram as mãos, segurando fogo e girando bastões de neon no ar, e gritavam o nome de Alan. Terry, com seu corte de cabelo masculino e uma guitarra, estava em pé atrás dele. Era uma de quatro pessoas que apoiavam Alan enquanto ele cantava. Todos cheios de uma paixão tão brilhante que ardia como chamas nos sorrisos deles, assim como na forma como se jogavam ao redor do palco. Variações daquele futuro apareciam tão rapidamente quanto a música de Alan mudava, mas, em todos os cenários, sua vida seria de glória e duraria além dos meros anos que um homem poderia clamar.
O outro lado daquela fissura era desconhecido, porém, facilmente reconhecido como sua antítese. Luzes fracas e um bar ruidoso, garrafas de cerveja jogadas na gaiola que cercava a banda. O longo cabelo de Alan não era mais saudável e estilizado, mas fraco e ensebado, e a luz nos olhos dele havia se apagado. Da banda que Sophia vira em sua primeira visão, apenas Terry ainda estava ao lado de Alan e estava tão fraca e emaciada quanto Alan. A paixão não os impulsionava mais... nem mesmo o desespero. Era o hábito, frio e embotado com o passar do tempo. Aqueles futuros estilhaçaram-se em lugares cada vez mais sombrios e escuros: drogas, bebida e uma vida que acabara anos antes sem que o corpo tivesse acompanhado essa morte.
Sophia ficou sem fôlego e pressionou as pontas dos dedos nos lábios. Alan e Terry terminaram de colocar o espelho no chão e ele se virou, ainda curvado, para oferecer um sorriso cheio de fascínio e confusão para Sophia. Até mesmo a pergunta dele, O que está acontecendo aqui?, parecia não conter nenhuma rejeição, mas sim o impulso de mergulhar na história de Sophia e descobrir as respostas. Ele apoiou as mãos nas coxas e, em pé, deu um passo na direção dela, ofereceu-lhe galantemente a mão.
Oh, sim. Ele faria isso. Faria isso com perfeição. Ele Era Alguém, ou seria, exatamente como Sophia esperava. Um herói para estrela sua história, forte, silencioso e vigoroso. Juntos, emergiriam da obscuridade de “bandas de garagem” –termo este que aprendera quando o espelho esteve em uma sala de TV nos anos áureos dos canais de música ­– e de filmes B,fazendo com que o futuro brilhante que previra para ele se torne realidade.
– Sophia. – Ela pôs a mão na de Alan. – Sophia Robinson. – Ele a levantou, trazendo-a para si com sua cálida pegada e deslizou uma das mãos pelas costas de Sophia, perto da cintura, de modo a mantê-la equilibrada. Ela sorriu, sentindo o ultraje transbordando de Terry enquanto o sorriso de Alan ficava mais intenso. – Sophia – sussurrou ela, como se fosse um dom, e o sorriso dele ficou insensato.
– Jesus Cristo, Alan – exclamou Terry com a voz carregada de tensão, em uma combinação de descrença e confidência. – Essa é a mulher que desapareceu de um filme, tipo, em 1942.